O ROCK COMO RESISTÊNCIA À MANIPULAÇÃO
- Aiko Fukushima e Isadora Pimenta
- 28 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
Por Aiko Fukushima e Isadora Pimenta

O rock´n roll analisado neste texto ultrapassa o conceito de gênero musical e se refere, principalmente, a um agente cultural fundamental na história do Brasil e do mundo. Segundo Danilo Nunes (2021), o rock teve sua origem no período de segregação racial dos Estados Unidos, nascendo do sentimento de rebeldia contra um sistema que rege o mundo a partir de opressão e desigualdade. Seria limitador, portanto, apresentar esse movimento apenas como uma expressão artística, não levando em conta a atuação do rock como porta-voz que denuncia a dominação, a manipulação e a alienação presentes na estrutura social.
Quando direcionamos o olhar ao cenário brasileiro da década de 1980, é impossível não notar a presença do rock´n roll, que foi tomando forma ao longo da ditadura militar. Legião Urbana, Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso são alguns dos nomes que vêm à cabeça ao abordar alguém sobre aquela década. Os jovens que faziam música nesse período de redemocratização haviam nascido e crescido em meio à repressão e censura, entretanto, em vez de se tornarem seres alienados, grande parte desses artistas encontrou no rock a oportunidade de resistir e denunciar as relações de poder que afastavam o Brasil da liberdade.
A música “Selvagem”, lançada em 1986 pela banda Paralamas do Sucesso, é composta por versos que fazem referências claras ao cenário político e social da época, como na estrofe: “O governo apresenta suas armas / Discurso reticente, novidade inconsistente / E a liberdade cai por terra / Aos pés de um filme de Godard”. O discurso reticente e a novidade inconsistente expostos na canção denunciam a omissão e o controle da disseminação de informação, argumentando que a imprensa e os meios de comunicação não eram apenas alvos de censura, mas também podiam ser instrumentos de dominação, como explica Emiliano José (2024). O último verso apresenta uma referência clara à censura do governo Sarney, que proibiu a exibição do filme “Je Vous Salue, Marie”, de 1985, do diretor franco-suíço Jean-Luc Godard.
O governo ditatorial estabelecido no Brasil e que ainda mostrava suas marcas no governo Sarney, criticado na música do Paralamas do Sucesso, só foi estabelecido e fortalecido com a articulação da mídia brasileira, pois, com o estabelecimento do AI-5, a mídia tornou-se hegemônica, atuando a partir dos propósitos e objetivos de uma só instituição. O que a música analisada se propõe a transmitir é a ideia de que a censura, a omissão e o controle dos meios de comunicação são, também, armas do governo expostas na canção.
No contexto atual, o rock segue firme, com bandas e artistas independentes que mantêm a resistência através da música. Apesar do modelo de indústria musical atual, restringido a refrões chicletes e 15 segundos “bons” para se encaixarem em trends do TikTok, muitos compositores ainda lutam em prol das causas presentes nas músicas de rock dos anos 1980. Um exemplo de destaque no meio atual é a cantora Pitty, que, por meio de suas letras, defende os direitos das mulheres e provoca reflexões sobre o cenário social.
Em uma das músicas mais famosas da cantora, lançada em 2003, “Admirável chip novo”, são levantadas reflexões e críticas ao sistema de alienação ainda presente na estrutura social. Em seus versos, é perceptível a maneira como o eu lírico começa a perceber que não é humano, que está sendo controlado, como na estrofe: “Pane no sistema /Alguém me desconfigurou /Aonde estão meus olhos de robô? /Eu não sabia, eu não tinha percebido /Eu sempre achei que era vivo”. Adiante, várias formas de repressão são impostas ao personagem, que, no caso, remete à sociedade manipulada. Os verbos “Pense, fale, compre, beba”, no imperativo, criam um ar de repressão e ordem, como era, de certo modo, implantado na época da ditadura militar, mas, sobretudo, remetendo ao consumismo e imediatismo na atualidade. As mensagens provocativas na letra instigam o ouvinte a questionar a influência externa sobre suas escolhas e a busca da autenticidade.
Nessa e em outras diversas músicas como “Teto de vidro”, “Máscara” e “A massa”, Pitty expressa em seus versos os conflitos presentes na sociedade atual, mas enraizados em uma nação que luta constantemente pelos seus direitos. Sua abordagem crítica e autêntica influencia uma nova geração de artistas, incluindo nomes da Geração Z, como Ana Frango Elétrico, Bala Desejo e Scatolove, que carregam em suas obras a mesma essência de questionamento, resistência e renovação.
Apesar das transformações no cenário musical brasileiro, o rock continua sendo uma poderosa forma de expressão, resistindo às convenções e ao status quo. Ao longo das últimas décadas, o gênero tem rompido barreiras, promovendo a liberdade de expressão e servindo como voz de resistência em diversas lutas por direitos e contra a censura. Além disso, o rock se mantém como um reflexo da sociedade, oferecendo uma valiosa perspectiva sobre suas mudanças e desafios.
REFERÊNCIAS
JOSÉ, Emiliano. Ditadura de 1964 e meios de comunicação. Teoria e Debate. 8 de abril de 2024. Mídia. Disponível em: <https://teoriaedebate.org.br/colunas/ditadura-de-1964-e-meios-de-comunicacao/>. Acesso em: 28 de abril de 2024.
NUNES,DANILO. O Rock de Atitude e Resistência: Tico Santa Cruz Detonando Reaça. Brasil de Fato. 13 de julho de 2021. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/colunista/danilo-nunes/2021/07/05/o-rock-de-atitude-e-resistencia-tico-santa-cruz-detonando-reaca/#>. Acesso em: 28 de abril de 2024.
MESQUITA, Paniago Vanessa. Cadê o rock que tava aqui? Análise histórica do rock nacional como agente na produção de identidade cultural do jovem brasileiro. Orientadora: Profa. Claudia Maria Busato. TCC Universitário de Brasília em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda. UniCEUB, 2014.
ROCK Nacional: A Revolução sonora que desafiou a ditadura. Mais Bahia, 13 de julho de 2024. Política, Pop. Disponível em: <https://maisbahia.news/rock-nacional-a-revolucao-sonora-que-desafiou-a-ditadura/>. Acesso em: 28 de abril de 2024.
SEVILLANO, Daniel Cantinelli. Pro dia nascer feliz? Utopia, distopia e juventude no rock brasileiro da década de 1980. Orientador: Francisco Cabral Alambert Junior. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP,2016.
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