O SOM QUE NÃO ENVELHECE: O FENÔMENO DOS DISCOS DE VINIL
- Aiko Fukushima, Isadora Pimenta e Natália Vasle
- 3 de mai.
- 8 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Por Aiko Fukushima, Isadora Pimenta e Natália Vasle

Em meio à era do streaming, em que a música está a só um clique de distância, o que faz tantas pessoas voltarem (ou nunca terem saído) do universo analógico? A resposta vai além das músicas e se encontra na busca por memória, identidade e conexão com o passado.
Segundo matéria publicada pela Agência Brasil em 2016, o primeiro disco de vinil foi lançado em 1948 pela Columbia Records, nos Estados Unidos, graças ao engenheiro Peter Carl Goldmark, mas começou a ser comercializado no Brasil apenas em 1951, substituindo o disco de 78 rotações e logo se tornando uma febre. Ao longo das décadas seguintes, seu sucesso aumentou e o objeto de coleção dominou o mercado até meados de 1996; seu declínio teve início após o lançamento do Compact Disc (CD), em 1984, que chegou com a proposta de melhor qualidade sonora e capacidade de armazenar mais músicas. O CD perdeu espaço para os streamings, como a Apple Music e o Spotify, mas é possível enxergar uma retomada do vinil.
Desde 2010, artistas vêm lançando reedições de álbuns clássicos, fábricas foram reativadas, e sebos e lojas especializadas tiveram um crescimento considerável. O ano de 2022 marcou o momento em que as vendas de longplay (LP) ultrapassaram as de CD pela primeira vez em 36 anos, indicando uma mudança significativa nas preferências dos consumidores e o renascimento do vinil como mídia musical popular. Essa retomada se deu por diversos fatores, como a nostalgia, a qualidade do som, a adesão da nova geração e o interesse dos colecionadores.
O universo dos colecionadores

Tiago Bessa, 43, professor de filosofia e músico, é natural de Uberaba e colecionador assíduo de discos de vinil. Ele teve contato com LP desde a infância, graças a seu pai, que lhe deu de presente seu primeiro disco: um álbum do grande rei do rock, Elvis Presley. Naquela época, segundo ele, o produto já era caro, então, o jeito mais comum que tinha para ouvir os discos era reunir-se com seus amigos, na casa da pessoa que tinha ganhado ou comprado.
Tiago é dedicado à sua coleção, que contém cerca de 1.412 discos. Para não se perder entre eles, o colecionador organiza-os de A a Z, além de separá-los em nacionais e internacionais. Sobretudo, ele também loga todos os itens da sua coleção no Discogs, um aplicativo para colecionadores e amantes dos vinis, que cataloga, organiza e divulga os discos das coleções dos usuários a partir do número do catálogo presente nas capas.

O colecionador se aventura nesse meio digital desde a infância, mas começou a se dedicar à coleção em 2014, quando conheceu o aplicativo. Na época, possuía apenas 300 discos logados. Para ele, esse novo meio facilita muito mais a procura de produtos e a interação entre colecionadores de diversos lugares, o que incentiva as pessoas a desenvolverem suas coleções de vinis.
“Não posso escolher um disco favorito”, diz. Para ele, muitos dos discos carregam um forte valor afetivo. Entre suas escolhas, destaca-se o álbum “The Division Bell”, do Pink Floyd, que foi responsável por despertar seu interesse pela banda, sua favorita até hoje. Outro vinil especial para Tiago é o intitulado "Lô Borges", do artista de mesmo nome, que ganhou de presente de sua irmã mais nova em 2019. A carga emocional ligada a esse álbum é muito significativa.
Tiago também nutre um carinho especial por um disco do Pink Floyd, “Live at Pompeii”, que pegou emprestado de um amigo e nunca devolveu. Nesse caso, o afeto se soma ao valor de raridade do item, que atualmente custa mais de R$ 1 mil. Na época, o amigo do professor o comprou por R$ 7 em um sebo. O salto desse preço, de acordo com Tiago, vem da dificuldade de ser encontrado.

O professor afirma que, para um disco ser considerado um “item de colecionador”, é preciso levar em conta alguns fatores, como a raridade, definida pela quantidade de exemplares disponíveis no mercado, e o reconhecimento de sua importância cultural, que o transforma em um verdadeiro item cult.
Um exemplo emblemático são os discos de Rita Lee, lançados na década de 1980. Por muito tempo, os álbuns foram subestimados pela crítica, o que se refletia no preço: era possível encontrar álbuns da cantora por apenas R$ 20 há duas décadas. Hoje, no entanto, esses mesmos discos chegam a ser vendidos por R$ 100 ou até R$ 500, resultado de uma revalorização crítica e afetiva que ocorreu com o tempo. Tiago afirma, entretanto, que alguns discos jamais perderam seu valor de mercado, mesmo durante o período de queda da popularidade do formato nos anos 1990. Esses resistiram às mudanças tecnológicas e se mantiveram como objetos de desejo entre colecionadores.
Esses itens demandam certo cuidado. Tiago aponta algumas dicas para manter os discos em bom estado por décadas. Pontua que é necessário deixar os discos em pé e não amontoá-los, pois isso pode prejudicar a qualidade do produto. Além disso, o professor afirma que há um processo de limpeza quando se adquire um “novo” vinil: “Passa embaixo da torneira, da água corrente, joga detergente na mídia, o disco no miolo tem o selo, o papel, [...] nessa parte, você pode molhar, só não pode esfregar, se não esfarela [...], vem com um algodãozinho redondo [...], passa até fazer espuma, quando você pega e olha, vai estar marrom, e joga fora, aí vc vira e faz a mesma coisa do outro lado. Por fim, você coloca para secar um escorredor de louça [...] e deixa a noite toda secando”, explica Tiago.
Para quem quer dar os primeiros passos no mundo dos vinis, a iniciativa é essencial. "Se você gosta de música, se tem um artista que você curte e ele tem vinil disponível, então pronto, já tem tudo o que precisa para começar sua coleção", explica Tiago, mas, para evitar erros comuns e garantir uma boa experiência desde o início, o colecionador experiente compartilha algumas dicas valiosas.

A primeira recomendação é clara: evite os chamados "toca-discos de maleta", no estilo Crosley. Esses aparelhos costumam ser atrativos pelo design retrô, mas deixam a desejar em termos de qualidade sonora e podem, inclusive, danificar seus discos com o tempo. “O ideal é investir em um toca-discos”, pois isso permite ajustar a pressão da agulha sobre o vinil, evitando riscos e desgastes. Além disso, um bom amplificador de som faz toda a diferença para quem quer aproveitar ao máximo a experiência que o vinil pode oferecer.
Outro ponto importante: não comprar um disco só pela capa, observar o estado do vinil, verificar se não está riscado ou danificado. "Não tenha medo de avaliar bem o produto", aconselha Tiago. Negociar e pesquisar bem antes da compra também são práticas recomendadas, e o cuidado com a conservação faz toda a diferença.
A nova onda dos velhos discos
Lucas Felipe, 34, historiador e fotógrafo, trabalha no Sebo Antiguidades, uma loja criada por Douglas Duarte há 30 anos, e que hoje é um dos pontos mais populares de compra e venda de discos de vinil em Uberlândia. Além de trabalhar com os discos, possui uma coleção própria de cerca de 900 LPs.

Lucas é funcionário do Sebo há quatro anos, mas trabalhou lá pela primeira vez aos 14, quando conheceu Douglas. “Eu matava aula e ficava na loja dele”, relembra. Na mesma época, por volta de 2005, costumava ir e voltar da escola a pé, guardando o dinheiro do ônibus para comprar discos de vinil, que, na época, ele encontrava por R$ 15 ou R$ 20.
Ele conta que seu gosto antigo para músicas e filmes foi herdado, principalmente, de seus pais, e que sempre teve um fascínio especial pelos discos de vinil, que continuou mesmo com o surgimento das novas mídias. “Eu digo que coleciono vinil desde os oito ou nove anos de idade, quando eu roubei os discos do meu pai”, ele diz. Atualmente, sua coleção ganhou até um quarto próprio em seu apartamento.
Lucas explica que os itens vendidos no Sebo são adquiridos, principalmente, por doações voluntárias. O comércio de antiguidades não é conhecido por todos, mas, conforme a popularidade da loja vai crescendo, fica mais fácil as pessoas pensarem na loja ao encontrar algum pertence guardado há muito tempo. “Muita gente que tem coisa guardada em casa, que nem sabe que tem valor, passa, vê ali na porta, vê que existe um comércio e traz para ofertar aqui”, conta.

Com dez ou até 15 pessoas por dia vindo ofertar aparelhos, livros, e principalmente, discos de vinil, os funcionários da loja avaliam o valor de um item a partir do próprio conhecimento, para assim, determinarem por qual valor o produto será vendido. “A gente bate o olho [no disco] e já dá pra saber qual que vale R$ 1, R$ 5, R$ 100 ou até R$ 5 mil”, ele diz. Quando encontram algum item que foge do conhecimento dos funcionários, costumam pesquisar, por exemplo, em sites de leilão. É possível encontrar até alguns “itens de colecionador” na loja, como o raro "White Album" dos The Beatles, que possui inúmeras versões. “Deve estar valendo R$ 3 mil”, conclui.
Lucas afirma que está acontecendo um fenômeno entre jovens com menos de 20 anos de terem grande interesse nos discos de vinil. Entretanto, em sua visão, essa febre parece ser algo passageiro. “Tem gente que vem aqui revender coleção que comprou com a gente um ano atrás”, conta.
Além dos próprios discos, esse grupo etário vem aumentando seu interesse em câmeras digitais estilo Cybershot, revistas em quadrinho, aparelhos MP3, entre outros. Apesar de não entender o porquê dessa febre, o funcionário supõe que a facilidade de encontrar músicas e demais produtos artísticos na era digital tenha tirado a graça do processo, as tecnologias estão muito avançadas. “Não tem mais para onde ir”, completa Lucas.

A hiperinflação dos preços, que ele relaciona ao interesse recente dos jovens, é um desafio para todos os colecionadores. “Os artistas novos entenderam o mercado”, afirma. Segundo Lucas, essa hiperinflação pode se desfazer quando a moda do vinil passar, mas, até lá, se tornará um grande desafio para quem se interessa em desenvolver suas coleções.
A maior parte do público dos vinis, porém, não são os jovens que entraram na moda do momento, pois aqueles que se interessavam pelos discos nunca deixaram de procurá-los. Com o surgimento do CD e, posteriormente, de outras mídias, muitas pessoas chegaram a descartar o LP, mas Lucas afirma: “Quem gosta de disco de vinil sempre colecionou e sempre comprou”. O Sebo Antiguidades possui uma clientela fiel, sendo os colecionadores um dos grupos de destaque, que frequentam a loja para garimpar os novos itens de suas coleções.
O interesse pelos discos de vinil não é algo novo, mas este destaque recente entre aqueles que nasceram no segundo milênio foi o motivo de muitas pessoas entrarem, pela primeira vez, em contato com essa forma de ouvir música. “Quem gosta mesmo tá nessa desde que se entende por gente, e tem gente que tá se aventurando, e isso é bom!”, conclui Lucas. Para ele, é importante que as novas gerações entendam o valor das músicas de 40 ou até 50 anos atrás, e devem ser encorajadas a se aventurar no mundo dos discos.
É evidente a paixão, a seriedade e o investimento que os colecionadores precisam ter quando se dedicam a esse universo. O vinil não é um mero modo de escutar música, é um artefato cultural que é capaz de reunir pessoas, trazer à tona memórias antigas e é o responsável por despertar sentimentos reconfortantes e criar experiências únicas. Além de um som orgânico, os LP fazem as pessoas serem ativas no processo de ouvir música, interagindo com o passado e o presente simultaneamente.
Comments