"PERFEIÇÃO", DE LEGIÃO URBANA- UMA ANÁLISE BREVE
- Aiko Fukushima
- 31 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
Por Aiko Fukushima
Breve história e contextualização da banda
A Legião Urbana foi uma das bandas de rock mais influentes do Brasil, formada em 1982, em Brasília. Surgiu da união do cantor e compositor Renato Russo com o guitarrista Dado Villa-Lobos, o baterista Marcelo Bonfá e, inicialmente, o baixista Renato Rocha.
A banda se destacou nos anos 1980 e 1990 por letras poéticas, existenciais e politizadas, que captaram o espírito da juventude brasileira em um período de transição democrática. O álbum de estreia, Legião Urbana (1985), trouxe sucessos como "Será" e "Ainda É Cedo". Seguiram-se obras marcantes como Dois (1986), Que País É Este (1987) e As Quatro Estações (1989), consolidando a Legião como porta-voz de uma geração.
Com a morte de Renato Russo, em 1996, devido a complicações relacionadas à AIDS, a banda encerrou oficialmente suas atividades. No entanto, seu legado permanece vivo: suas músicas continuam relevantes e influentes até os dias atuais.
O Álbum “O Descobrimento do Brasil”

Lançado em 1993, o álbum O Descobrimento do Brasil marcou uma fase introspectiva da Legião Urbana. Renato Russo, recém-saído de um período de reabilitação para tratar a dependência química, imprimiu nas composições um desejo de renovação, esperança e autorreflexão.
Canções como “Vinte e Nove”, “Perfeição” e “Vamos Fazer um Filme” se destacaram tanto pela sensibilidade quanto pela crítica social. Apesar do sucesso, a banda optou por um hiato, período em que Renato também se dedicou a projetos solo, como o álbum The Stonewall Celebration Concert.
Análise
Esta análise propõe uma análise da música “Perfeição”, da banda Legião Urbana, lançada no álbum O Descobrimento do Brasil (1993). Embora não tenha alcançado o mesmo sucesso comercial de outras faixas do grupo, a canção se destaca por sua letra intensa, provocadora e atemporal, que questiona a realidade brasileira por meio de um tom sarcástico.
Com um tom sarcástico e crítico, a música desnuda as contradições sociais e morais do Brasil.
Apesar de ter como título "Perfeição", a música aborda as imperfeições que existem no mundo. Além disso, quem ouve é convidado a celebrar essas imperfeições, porque parece que a sociedade dá mais valor ao imperfeito do que ao perfeito.
"Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos covardes
Estupradores e ladrões"
Logo no início, a letra provoca uma reflexão sobre os altos índices de violência no país, contrastando-os com a constante celebração do povo brasileiro, que continua festejando mesmo diante do caos social.
"Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado que não é nação"
Os trechos “nossa polícia”, televisão”, “governo”, “Estado que não é nação” trazem uma crítica contundente às instituições brasileiras, refletindo um contexto político carregado de tensões. A canção foi lançada em um período ainda marcado pelas consequências da ditadura militar, quando a censura às emissoras de televisão foi uma prática que atordoou os brasileiros por anos.
Além disso, o parágrafo aponta para questões estruturais de violência, como os esquemas de milícia e corrupção envolvendo a polícia. Dessa forma, a música convida à reflexão sobre o papel dessas instituições na consolidação de um país que ainda luta para se afirmar como uma verdadeira nação democrática.
"Celebrar a juventude sem escola, as crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Tânatos
Perséfone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre e todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo, nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia e toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir, não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância, a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou essa canção"
Na sequência dos trechos anteriores, são apresentadas diversas desordens e imperfeições em meio às comemorações no Brasil, um cenário que remete ao conceito de 'pão e circo'. Estamos cercados de problemas, mas quem se importa? Vamos celebrar. O famoso 'jeitinho brasileiro' resolve depois. Mas afinal, quando esse 'depois' realmente chega?
"Venha
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição."
E por fim, vem a última estrofe, chamativa, mudando o tom amargo que a música vinha trazendo. “Vem chegando a primavera”, estação do ano que remete ao florescer, o renascer, o sol radiante, um novo recomeço. “Nosso futuro recomeça/Venha, que o que vem é perfeição”, mesmo a tantas desgraças e maldades a esperança se mantém firma, um futuro ainda está por vir. “Venha”, um chamativo direto, faça você um novo recomeço, um dia melhor que o outro, abra-se para um mundo melhor.
É evidente como a letra retrata aspectos marcantes do nosso cotidiano. Apesar de ter sido lançada em 1993, a música permanece atual, refletindo realidades que ainda vivemos. É importante refletir sobre esse tipo de situação, pois, embora nos cobramos para não repetir os erros do passado, ao observarmos com atenção, percebemos que o país ainda mantém muitos dos mesmos costumes de décadas atrás.
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