ROCK IN DEMOCRACIA: O SOM DA LIBERDADE
- Aiko Fukushima
- 31 de mar.
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.
Em ritmo de resistência, a música sempre será uma das armas mais poderosas contra a opressão
Por Aiko Fukushima

Os festivais de rock no Brasil sempre se apresentaram como pilares nas lutas sociais. Eventos como o Rock in Rio mostram que, apesar das mudanças do tempo – em ascensões, declínios e reinvenções –, o som da resistência nunca se calou. Entre palcos históricos e novas promessas, os festivais se firmam como símbolos de uma nação que busca liberdade, diversidade e voz para todas as gerações.
O ano era 1985 e o Brasil vivia um momento de intensas mudanças. Após duas décadas de regime militar, o país começava a trilhar o caminho da redemocratização. Foi nesse contexto de renovação e esperança que surgiu o Rock in Rio, um marco cultural que projetou o Brasil no cenário internacional da música. Como relembra Roberto Medina, fundador do festival: “O ano era o de 1985 e o país passava por grandes transformações. Após um longo período sob uma ditadura militar, o país começava a dar os primeiros passos rumo à democracia. Foi nesse cenário que nasceu o Rock in Rio. Pela primeira vez, um país da América do Sul sediou um evento musical desse tipo” (Site oficial Rock in Rio).

De grande importância, o festival vai muito além das batidas de cabeça e das rodas punk. Referência internacional, o Rock in Rio também se compromete com a construção de "um mundo melhor", como destaca no site oficial. A organização do evento faz questão de apresentar seu legado de responsabilidade social, mostrando as diversas ações de apoio, ajuda e transformação que promove ao longo dos anos.
Um dos projetos é o “Rock In Rio solar”, lançado em Portugal em 2008. O concurso Rock in Rio Escola Solar incentivou estudantes a criarem projetos sustentáveis em suas comunidades e instalou 760 painéis fotovoltaicos nas 38 escolas públicas vencedoras. A renda da energia excedente gerou novos projetos. A iniciativa ganhou o Energy Globe Awards, reconhecido prêmio de proteção ambiental.
Outra iniciativa foi “A música transforma”, uma campanha de arrecadação de instrumentos musicais em todo o Brasil, no ano de 2011. Para garantir que os instrumentos fossem entregues às instituições, o Rock in Rio, em parceria com a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, montou uma Oficina de Assistente de Luthier, profissional que conserta e constrói instrumentos musicais.
E também há o projeto “Lixo no Lixo, Rio no Coração”, uma campanha de conscientização da população do Rio de Janeiro sobre a correta disposição de resíduos. A partir dessa preocupação ambiental, o Rock in Rio lançou a iniciativa com o objetivo de promover uma mudança de comportamento nos cidadãos e, consequentemente, melhorar significativamente a limpeza urbana.
Além desses, o Rock In Rio, desde sua estreia em 1985, tornou-se palco para o grito de esperança de um país em crise. Em meio ao caos político da época, emocionou a multidão quando Cazuza entoou "Pro Brasil nascer feliz", referente ao refrão da música “Pro dia nascer feliz”. De acordo com os jornais da época, a apresentação simbolizou um chamado coletivo à atenção para o processo de redemocratização que o Brasil enfrentava, marcando para sempre a relação entre música e transformação social.
O ano de 1985 foi decisivo para a história recente do Brasil. O país encerrava um ciclo de 21 anos de ditadura militar e vivia um período de intensas transformações políticas e culturais. Segundo o site do Senado Federal, foi nesse cenário que Tancredo Neves foi eleito de forma indireta, embora a presidência tenha sido assumida por José Sarney, o primeiro civil no cargo após o regime militar. Na mesma época, o Brasil celebrou a primeira vitória de Ayrton Senna na Fórmula 1 e sediou a edição inaugural do Rock in Rio. O festival, que se tornaria um dos maiores do mundo, nasceu em meio a esse momento de transição e efervescência.
Como nem tudo agrada a todos os públicos, o Rock in Rio também já enfrentou momentos desconfortáveis e controversos ao longo de sua história. Um dos episódios mais marcantes ocorreu na terceira edição do festival, em 2001, quando o cantor brasileiro Carlinhos Brown subiu ao palco para apresentar “A Namorada”. Sua performance, no entanto, foi recebida com forte rejeição por parte do público presente: vaias intensas, garrafas e copos plásticos foram arremessados contra o artista, em um cenário que rapidamente se tornou caótico.
Mesmo diante da hostilidade, Carlinhos manteve-se firme e demonstrou serenidade e resistência. Em meio ao tumulto, proferiu com convicção: “Pode jogar o que você quiser, porque eu sou da paz! Nada me atinge”. Apesar de sua postura pacífica, o show precisou ser interrompido por questões de segurança.
O episódio, embora lamentável, permanece como um símbolo da resistência artística e da reflexão sobre a intolerância presente em certos segmentos sociais. Anos depois, Carlinhos Brown relembrou o momento com maturidade, destacando: “Que bom que houve aquele choque, porque a gente sabia que, no Rock in Rio, a palavra ‘rock’, suas quatro letras, era maior que ‘Rio’. Mas a gente também estava dizendo que o Rio é enorme. A música brasileira precisava ser mostrada.” — entrevista à Folha de S. Paulo, publicada em 2021, vinte anos do ocorrido. O incidente tornou-se emblemático não apenas pela reação do público, mas pela postura resiliente do artista, que transformou a rejeição em discurso de paz e valorização da diversidade cultural.
Em meio a todos esses anos de edições do festival, o Rock in Rio consolidou-se como um poderoso símbolo da luta pela liberdade de expressão e dos anseios sociais do povo brasileiro. Sua primeira edição, em 1985, ocorreu em um momento histórico: o Brasil saía de duas décadas de ditadura militar e caminhava para a redemocratização, marcada pela eleição indireta de Tancredo Neves e o surgimento de novos movimentos sociais e culturais.
O festival, ao reunir grandes nomes da música nacional e internacional para um público estimado em 1,5 milhão de pessoas, tornou-se não apenas um marco musical, mas também um grito coletivo por liberdade, paz e esperança. Desde então, as vozes que ecoam no Rock in Rio representam, e continuam a representar, a resistência de uma sociedade que, através da música, reafirma seu direito de se expressar, de sonhar e de lutar. Porque, enquanto houver som, haverá resistência — e a certeza de que a música jamais se calará.
“Percebi que as armas que tenho para conseguir tornar o mundo um pouco melhor são a música e o festival. É o que eu sei fazer bem.” - ROBERTO MEDINA (Site Oficial Rock In Rio)

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