COMO A DÉCADA DE 1980 SE TORNOU UM SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA E LIBERDADE ATRAVÉS DO ROCK NACIONAL
- Natália Vasle
- 31 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.
A música, a política e a juventude: os elementos que, juntos, mudaram a cena do país inteiro e fizeram essa década ser lembrada até hoje como um grito de esperança e de autonomia
Por Natália Vasle

O rock nacional foi a trilha sonora da juventude brasileira durante a redemocratização do país e moldou uma geração marcada pela repulsa do passado autoritário e pela ânsia de mudança. No início dos anos 1980, o rock brasileiro ganhou força e se tornou uma poderosa forma de expressão política e cultural. Mas para compreender esse momento, é preciso falar sobre o momento político que o Brasil se encontrava.
O país vivia o fim da ditadura militar e o início da redemocratização, com o Movimento Diretas Já, que exigia a retomada das eleições diretas para a Presidência da República e levou milhares de jovens às ruas. Esse movimento alcançou, em 1985, o fim do regime militar e a eleição indireta de Tancredo Neves, que, no entanto, faleceu antes de tomar posse. Com isso, quem assumiu a presidência foi o então vice, José Sarney. Foi somente em 1989 que ocorreriam as primeiras eleições diretas para presidente, resultando na eleição de Fernando Collor de Mello.
A voz de uma geração
Filhos da repressão e da censura, os jovens que cresceram durante a ditadura militar e que vinham com a expectativa de serem pessoas apolíticas e alienadas surpreenderam com um movimento que muitos esperavam que jamais acontecesse: eles estudaram e se politizaram, e muito disso se deve ao rock. A música se tornou um canal legítimo de debate sobre temas que até então estavam restritos às páginas de economia e política dos jornais.
Canções como “Geração Coca-Cola” e “Que País É Este?”, da Legião Urbana, tornaram-se hinos de contestação. Renato Russo, Cazuza e Arnaldo Antunes não só cantaram, mas também refletiram o espírito crítico de toda uma geração. Já bandas como Titãs, Barão Vermelho, Blitz e Paralamas do Sucesso subiram ao topo das paradas de sucesso com letras que refletiam as angústias, desejos e insatisfações de uma juventude em ebulição.
O início de tudo
O marco inicial do rock nacional, também chamado de BRock, é frequentemente atribuído ao single “Perdidos na Selva”, da banda Gang 90 e as Absurdettes, lançado em 1981. No entanto, foi com a Blitz, em 1982, que o movimento realmente entrou em cena. Com o hit “Você Não Soube Me Amar", a banda carioca levou o rock para as trilhas sonoras da novela da Globo “Sol de Verão” e se destacou com uma estética teatralizada.
Uma curiosidade sobre o álbum de estreia da Blitz é que eles riscaram à mão a matriz (master) dele, e assim, cerca de 30 mil cópias do vinil pareciam ter sido assinadas diretamente pelos integrantes da banda, em uma tentativa de burlar a censura da Ditadura, que havia vetado duas faixas do disco.
A sonoridade do BRock foi um ajuntamento de influências como o new wave, pós-punk, blues, techno pop e até reggae, e cada cidade deu ao movimento características próprias. De acordo com a matéria “O auge do rock nacional durante a década de 1980”, do site “Universo Retrô”, Brasília trouxe uma poesia existencial, com o foco voltado para a rotina da cidade. Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude nasceram ali, filhos de professores, diplomatas e servidores públicos.São Paulo, com o caos urbano, deu origem ao som mais direto e sarcástico de Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor. Já o Rio de Janeiro, sendo o centro dessa repercussão, ofereceu o apelo teatral da Blitz, o romantismo do Kid Abelha e a fúria blues-rock do Barão Vermelho.
Porto Alegre e Salvador, cidades que expandiram as fronteiras do rock, tradicionalmente feito no eixo Rio-SP, também deixaram marcas com os Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós e Camisa de Vênus, banda formada por Marcelo Nova, influenciado por artistas como Raul Seixas e Novos Baianos que viveram seu auge nos anos 70.
A consagração
O grande divisor de águas para o rock nacional foi a primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Criado por Roberto Medina, o festival deu palco às principais bandas brasileiras ao lado de grandes nomes internacionais. Foi a confirmação de que o movimento, que já agitava rádios e programas de TV, dominava também as ruas.

A força desse estilo também se deve a um fator midiático importante: a televisão. Na década de 80, a Rede Globo já contava com um alcance gigante e isso foi decisivo para alavancar vários artistas e músicas (como aconteceu com “Você Não Soube Me Amar", já dito anteriormente).
O rádio, por sua vez, ampliou a presença das bandas fora dos grandes centros urbanos. Em pouco tempo, o rock nacional estava nos toca-fitas dos carros, nas boates alternativas e nas festas de garagem. Era um estilo de música feito por jovens para jovens, e que chegou ao grande público com força surpreendente.
Declínio e legado
A partir de 1989, com a eleição de Fernando Collor, o BRock começou a perder fôlego. O cenário se fragmentou, novas sonoridades ganharam espaço, e a mistura com a MPB suavizou a força crítica de muitas bandas. A década de 1990 trouxe outros estilos musicais, e parte da geração de 80 saiu de cena, alguns de forma trágica.
A morte de Cazuza, em 1990, e de Raul Seixas, em 1989, além dos episódios de violência sofridos por Renato Russo em apresentações, marcaram simbolicamente o fim de uma era. Ainda assim, o impacto permanece; em shows, tributos, regravações e playlists, as vozes daquela década continuam ecoando. E o mais importante: as ideias também.
O rock nacional dos anos 80 não foi apenas um movimento musical: foi reflexo e causador de uma transformação histórica. Seus versos atravessaram censuras, quebraram silêncios e ajudaram a moldar um país que lutava para reencontrar sua liberdade. No som das guitarras e nos gritos dos refrões, uma geração inteira encontrou força para questionar e protestar por um Brasil diferente. O BRock foi — e ainda é — o som da resistência.
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