"ÓPERA PUNK": O MUSICAL COM PUNKS NO ELENCO
- Isadora Pimenta
- 3 de mai.
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Atualizado: 6 de mai.
Por Isadora Pimenta

O espetáculo “Ópera Punk: Existe alguém + punk do que eu?” estreou em 18 de dezembro de 1998 no Teatro Municipal de Santo André. Com o apoio do programa “Redescobrindo a cidade” , da Prefeitura de Santo André, o projeto tinha o objetivo inicial de marcar os 20 anos do movimento Punk no Brasil, mas se tornou, também, uma manifestação inédita da cultura Punk Rock do ABC paulista. O trabalho contou com a direção de Edu Silva, a dramaturgia de Antônio Bivar, a coordenação de Marcos Moretto, a articulação e direção musical de Antônio Pádua e com a contribuição de muitos outros profissionais, mas além disso, contou com a atuação e roteirização dos próprios punks, integrantes do movimento da região.
Movimento Punk
Segundo o livro de 2023 “Ópera Punk: existe alguém mais punk do que eu?”, de Jairo Costa e Izabel Bueno, o Punk Rock surgiu no contexto inglês e norte-americano, na década de 1970, como uma resposta à ascendência hippie dentro do rock´n roll, gerando a busca por um som e uma cultura bruta, forte, e que contrariasse, de forma geral, a sociedade da época. No Brasil, esse movimento surge já no final da década, durante a Ditadura Militar, com bandas memoráveis como os Restos de Nada, Cólera e AI-5. A cultura Punk Rock se fortalece ao decorrer da década de 1980, principalmente em São Paulo, com bandas como Ratos de Porão, e no ABC, com bandas como Garotos Podres.
No ABC paulista, cenário do espetáculo “Ópera Punk”, o Punk Rock se nutre do sindicalismo operário, manifestando a indignação e revolta pela exploração de trabalho do sistema industrial. A rebeldia que o movimento representa se alastrou entre os jovens das periferias de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Diadema e Mauá, o que consolidou uma manifestação da ideologia anarquista que estava presente nas fábricas Abcdistas desde o início do século XX, com as greves lideradas pelo “primeiro punk do ABC” Constantino Castellani, que foi assassinado durante um de seus discursos.

Sobre eles, por eles
O processo de criação do espetáculo teve uma configuração atípica, mas condizente com o objetivo do produto. “Os punks falavam os fatos que eles viveram e queriam reviver”, diz Edu Silva, doutor em artes pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e diretor da primeira montagem do espetáculo. A narrativa, que tinha sua base na memória e história do movimento punk do ABC, tinha seus elementos verbalizados pelo elenco, os quais eram registrados e adaptados pelo dramaturgo Bivar. Além disso, a direção musical de Pádua foi essencial para a peça, que possuía estrutura de ópera, em que as músicas fazem parte da dramaturgia.
“Eles não queriam que as cenas fossem estéticas, teatrais. Queriam que as coisas fossem mais secas.”, conta o diretor. As cenas eram definidas por um processo de improvisação, em que Silva direcionava várias versões das situações apresentadas pelos punks até chegarem à ideia que queriam transmitir. Além das falas dos atores, o espetáculo apresentava sua narrativa por meio da visualidade.“Eles não pensavam muito nisso, achavam legal, mas na minha cabeça eu tava desenhando uma dramaturgia”, conclui.

Das cenas que compõem o espetáculo, algumas se destacam na memória do diretor, como o momento que representava a bomba que foi explodida no Templo do Rock, após uma integrante do movimento ter sido molestada no local, “Tive que fazer uma bomba pra explodir”, relembra. Além disso, a cena de batida policial foi importante para o elenco, pois refletia a agressividade e violência que caracterizava o relacionamento da polícia com os punks. Representaram em cena, também, o festival "O Começo do Fim do Mundo", que aconteceu no Sesc Pompeia em novembro de 1982 e reuniu cerca de 2 mil pessoas, tanto de facções paulistas, quanto do ABC, e até visitantes curiosos. O diretor, por fim, destaca uma cena proposta pelas mulheres do elenco, em que exclamam seus gritos de guerra, e uma em que os punks chutavam hippies que ocupavam a Estação Ferroviária de Santo André, que representava a oposição dos punks à postura do grupo que, segundo eles, era alienada.
O processo colaborativo de criação do espetáculo buscava adaptar as histórias do movimento em uma linguagem teatral, que continuariam inseridas no universo dos punks e colocadas em cena por eles próprios.“Tem uma lógica, não dá pra colocar coisas que não atendem eles”, diz Silva. Segundo o diretor, a Ópera Punk foi um processo estruturado pela discussão, em que as cenas nasciam da espontaneidade, “É uma escuta pedagógica, eles têm autonomia do que estão fazendo”. Além da montagem de 1998, a peça foi apresentada algumas vezes sob a direção de próprios integrantes do elenco, com o remanejamento de algumas partes.
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